O que é Agricultura Sintrópica e como os agricultores podem se beneficiar

Dayana Andrade & Felipe Pasini

O que é a Sintropia? (e o que isso tem a ver com agricultura?)

Resumidamente, sintropia é o oposto complementar da entropia. Enquanto a entropia governa as transformações termodinâmicas que libertam energia à custa da complexidade, a sintropia governa a vida, que acumula e organiza a energia. A agricultura sintrópica se apoia nos processos cumulativos de vida (tendência sintrópica) para restaurar a fertilidade dos agroecossistemas.

O que é a Agricultura Sintrópica?

A Agricultura Sintrópica é um conjunto de princípios e práticas – criados pelo geneticista e agricultor suíço Ernst Götsch – que ajudam os agricultores a aprenderem a ler as estratégias naturais de regeneração de cada determinado local e a traduzi-las na forma de intervenções agrícolas. A Agricultura Sintrópica é uma prática que respeita e imita a natureza, tal como muitas outras práticas afirmam fazer. A diferença, porém, é que para os praticantes da Agricultura Sintrópica é bastante claro qual o aspecto natural que deve ser respeitado: a tendência da vida a acumular e organizar a energia, o que se expressa sob a forma de maior diversidade e complexidade, tal como acontece em uma floresta natural.

Principais pilares conceituais: 

  1. Sintropia;
  2. Sucessão ecológica;
  3. Estratificação.

Práticas em destaque:

  • cobertura constante do solo tanto por matéria orgânica como por plantio em alta densidade;
  • grande produção de biomassa e intenso manejo por meio de poda e/ou roçagem;
  • distribuição espacial sistemática das plantas e sincronização do seu crescimento ao longo do tempo.

Principais objetivos perseguidos:

  1. Independência de irrigação e de insumos externos – sejam eles sintéticos ou orgânicos.
  2. Alta produção, biodiversa e resiliente.
  3. Restauração da fertilidade do solo e da saúde das plantas alcançada por meio de processos naturais.
  4. Autonomia do agricultor para tomar decisões adequadas à sua realidade particular, independentemente de pacotes tecnológicos ou modelos de design pré-definidos.

Como organizar as plantas em um sistema sintrópico

Todo ecossistema natural equilibrado é composto por diversas plantas que crescem juntas. Nessa diversidade, existem espécies com diferentes ciclos de vida e diferentes exigências de luz ou resistência à sombra. Apesar de cada planta ter suas características específicas, elas não só crescem juntas como também estabelecem uma relação dinâmica de colaboração mútua. As espécies de crescimento rápido protegem e alimentam as de crescimento mais lento de forma que cada grupo de plantas cria condições para o aparecimento do grupo seguinte. Este é o processo natural de regeneração de florestas. A Agricultura Sintrópica traduz estas características – na sua forma, função e dinâmica – em práticas agrícolas que organizam a distribuição das plantas no espaço, tanto horizontal como verticalmente e também no tempo, de acordo com os ciclos de vida. Isto é feito de uma forma que otimiza a fotossíntese e a produção de biomassa, aumentando a fertilidade total do campo.

Os parâmetros que orientam esta organização são Sucessão e Estratificação.

Organização das Plantas no Espaço – A Estratificação

A distribuição das plantas num plantio sintrópico considera não só a ocupação horizontal, mas também os andares verticais. Cada espécie ocupa o seu próprio estrato de acordo com a posição em que ocorre em condições naturais. Existe também uma proporção ideal de ocupação de cada andar, de forma a otimizar a captação da luz solar e, portanto, a fotossíntese total da área. Imagine a copa das plantas como se fossem painéis solares. Se quiséssemos instalar diferentes painéis solares em um mesmo espaço, esta seria a maneira mais eficiente de o fazer.

As classificações por estratos e as taxas de ocupação são:

– Emergentes (ocupação aprox. de 20%)

– Estrato alto (ocupação aprox. de 40%)

– Estrato médio (ocupação aprox. de 60%)

– Estrato baixo (ocupação aprox. de 80%)

– Estrato rasteiro (ocupação aprox. de 15-20%)

A soma das taxas de ocupação mostra que o espaço útil do campo aumenta para aproximadamente 220% devido às sobreposições entre diferentes estratos, como se pode ver na imagem abaixo (figura 1). Isto significa um melhor aproveitamento da área produtiva.

O que é Agricultura Sintrópica e como os agricultores podem se beneficiar

Figura 1. Ocupação dos estratos proposta por Ernst Götsch para Sistemas de Abundância. Tal distribuição aumenta a taxa de fotossíntese por área, facilita os processos termodinâmicos que resfriam e a retenção de água.

Organização das Plantas no Tempo – A Sucessão

A Sucessão na Agricultura Sintrópica acontece em etapas. O ciclo de vida das plantas é a característica fundamental para a sua classificação em: Placenta, Secundária, Clímax e Transicionais.

Passos da Sucessão:

– Placenta (espécies anuais e bianuais)

– Secundária (árvores e arbustos de ciclo de vida curto e médio)

– Clímax (espécies com ciclo de vida longo)

– Transicionais (espécies com ciclo de vida muito longo).

Cada passo da sucessão conta com uma composição completa de espécies com o seu respectivo ciclo de vida, mas esta ainda não é a história completa. Em uma perspectiva temporal mais ampla, sucessivos consórcios fazem parte de um determinado estágio de desenvolvimento dos Sistemas – estes classificados de acordo com o nível inicial de fertilidade do local. Estamos falando dos grandes passos sucessionais que Ernst Götsch classifica da seguinte maneira:

Fases de sucessão:

Sistemas de Colonização (fase em que não há plantas, apenas bactérias, fungos, e pequenas formas de vida);

Sistemas de Acumulação (fase em que aparecem as primeiras plantas rústicas, mas água e nutrientes ainda são escassos, e o ecossistema é capaz de sustentar apenas pequenos animais);

Sistemas de Abundância (fase com um grande fluxo de água e nutrientes, e agora o ecossistema pode sustentar grandes animais e plantas mais exigentes).

Em todo o mundo, a maioria das terras agrícolas encontra-se em algum estágio dos Sistemas de Acumulação. Isto significa que, nessas condições, não podemos cultivar a grande maioria (se não todas) das nossas culturas, a menos que utilizemos muitos insumos (sejam eles de origem sintética ou orgânica). Ao invés de utilizar insumos externos, a abordagem da Agricultura Sintrópica propõe começar com as espécies adequadas para aquele estágio de fertilidade. A ideia é que com a sucessão de consórcios, acelerados por meio dos manejos, será possível acumular capital natural e ativar as dinâmicas naturais de disponibilização de nutrientes, empurrando assim o ecossistema para estágios mais avançados de fertilidade, rumo aos Sistemas de Abundância, como representado na Figura 2.

Não se trata de uma “corrida” ou uma competição. Trata-se de sincronização. A constante poda e organização da matéria orgânica são práticas chave para garantir uma constante produção de biomassa e para manter o solo coberto durante todo o ano. Isso alimenta a microvida do solo, evita o superaquecimento e o protege do impacto direto da chuva e da erosão. Essa prática também substitui a necessidade do uso de herbicidas, uma vez que a ocupação de todos os estratos e a cobertura por matéria orgânica oriunda de poda não deixam nenhum nicho para o aparecimento de plantas não desejadas.

O que é Agricultura Sintrópica e como os agricultores podem se beneficiar

Figura 2. Esquema de sucessão proposto por Ernst Götsch, ilustrando como acontecem, em condições naturais, os intervalos de ocupação dos consórcios sucessionais (placenta, secundária, clímax e transicionais) entre ciclos de distúrbio (clareiras). Em sistemas manejados é possível acelerar a sucessão por meio da poda e da remoção da vegetação envelhecida.

Como funciona o sistema sintrópico?

Um plantio sintrópico ideal inclui um consórcio estratificado de plantas para cada etapa sucessional (exemplos na Figura 3). Portanto, os agricultores devem identificar as espécies adequadas para preencher todas as lacunas no espaço e no tempo, com base no seu comportamento e ciclo de vida. Todos os consórcios – seja placenta, secundária, ou clímax – devem ter espécies que ocupem a maior parte dos andares: baixo, médio, alto e emergente – na taxa de ocupação acima já descrita. Idealmente, todas as espécies de todos os estratos e fases da sucessão são plantadas ao mesmo tempo, de modo a causar o mínimo de distúrbio no solo e as melhores condições para que as relações sinérgicas se estabeleçam.

O que é Agricultura Sintrópica e como os agricultores podem se beneficiar

Figura 3. Exemplos de espécies mediterrânicas e da Caatinga ao longo das etapas e fases de sucessão. (Desenho por Ursula Arztmann).

Por exemplo, um consórcio de placenta de rúcula ou feijão preto (estrato médio-baixo), alface (médio), brócolis (alto), e crotalária (emergente) pode ser sucedido por um consórcio de ciclo mais longo composto por melancia (baixo), cenoura (médio), tomate (alto) e milho ou girassol (emergente). Ainda é possível ir mais longe na fase da placenta com gengibre ou abacaxi (baixo), alho, inhame, pimentão (médio), mandioca (alto), mamona e/ou papaia (emergente). Após a fase de placenta, que pode demorar até 24 meses, as plantas secundárias tomam conta da área, seguindo o mesmo padrão de estratificação – por exemplo, alecrim (baixo), romã (médio), abacate (alto), e eucalipto (emergente), e assim sucessivamente até atingir o próximo consórcio de ciclo de vida mais longo.

Uso da Poda Técnica para Orquestrar Crescimentos e Acelerar Processos

A poda técnica pode ser necessária para sincronizar o crescimento e/ou produção das plantas e para estimular a produção de biomassa suficiente para manter o solo coberto durante todo o ano. Em ambientes deciduais e semideciduais, é possível incluir espécies de placenta todos os anos à medida que as árvores naturalmente perdem suas folhas. Nas florestas perenifólias, a repetição de ciclos de placenta (anuais e bianuais) é possível, embora nem sempre recomendado. Nestes casos é necessária a intervenção por meio de podas drásticas para garantir uma maior entrada de luz no sistema.

A Agrofloresta de Ernst Götsch

Antes de ficar conhecido como Agricultura Sintrópica, o trabalho de Ernst Götsch foi também descrito sob diferentes terminologias, tais como Agrofloresta Sucessional, Agrofloresta Dinâmica, e Agrofloresta Analógica Regenerativa. Especialmente na América do Sul (onde sua abordagem começou a ser disseminada nos anos 90), é possível reconhecer uma forte influência das ideias de Götsch em muitas experiências agroflorestais. Um novo impulso de difusão da agricultura sintrópica de Ernst Götsch ocorreu após 2015, quando foi lançado o mini vídeodocumentário Life in Syntropy. Desde então, a prática tem sido adotada em diferentes ecossistemas na América Latina (Bolívia, Colômbia, Chile, México), Caribe (Martinica, Ilhas Curaçao), Europa (Portugal, Espanha, França, Alemanha, Itália, Grécia), África (Moçambique, Gana), e Oceania (Austrália).

Referências

GÖTSCH, EBreak-through in agriculture. AS-PTA: Rio de Janeiro, 1995.

FAO and ITPS. 2021. Syntropic Agriculture, in: Recarbonizing Global Soils – A technical manual of recommended sustainable soil management. Volume 3: Cropland, Grassland, Integrated systems, and farming approaches, page 511-522 – Practices Overview. Rome. FAO and ITPS. 2021. https://doi.org/10.4060/cb6595en

Andrade, D. & Pasini, F. 2022. Vida em Sintropia. Ed. 1 – São Paulo, Ed. Labrador. (pré-lançamento: Junho/2022).

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